27 outubro 2007

ÚLTIMA MORADA

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Meu esquife
é negro como a pata da noite
rasga a terra
como abre a pele das costas
o açoite
onde jorra o rubro vivo
da vida que se esvai
desce à última morada
casa funda que agora é cova
endereço fixo
enfim
do qual não irei me mudar
ali finalmente repousarei
mas ainda não sei
qual paz irei achar

Ao menos terei as flores
que não tive em vida.

26 outubro 2007

Convidado: Wilson R.

Quem somos?

Quem é você?
Quem é você, que desperta paixões tão violentas?
Quem é você, amada e odiada com tanta intensidade?
Quem é você que, com sua maravilhosa presença,
humilha aos seus pés as frágeis belezas da Terra?

Você é:

Perigoso objeto de desejo para corações incautos.
Delicadeza violenta para almas despreparadas
Dolorosa lembrança, viva em corações impiedosamente despedaçados.

Quem sou eu?

Quem sou eu, capaz de lutar mesmo quando
a batalha parece estar perdida, e ainda ter a certeza da vitória?
Quem sou eu, que desejo tanto que meu desejo contamina?
Quem sou eu, incapaz de lhe fazer outra coisa além de amor?

Eu sou:

Ferocidade tranqüila no encalço dos desejos
Ganância abençoada, que quer corpo, coração e alma.
Romântico descuidado, que não sabe nem pretende esconder sentimentos.

Você é a mulher que eu amo.
Eu sou o homem da sua vida.

Wilson R. é uma alma apaixonada que circula pelo BDE (Bar do Escritor). Autor de várias obras; esta pequena jóia encontra-se em S.O.S. Redação e Expressão Vol. 5
Agradeço a gentileza do mesmo em autorizar a postagem.

25 outubro 2007

Das eras, das feras e dos monstros interiores

Entre milênios espremidos em minutos
eras que se passaram em horas
no espaço imutável de um segundo
guardei aquele olhar dentro do meu
aprisionei-o e o trouxe comigo;
às vezes minha cruz mais pesada
em outras meu único abrigo
das acusações que me faço
sem me defender;
não peço nunca clemência
nem estou disposto a oferecer.

Último voluntário da pátria
sigo esbarrando nos ombros
dos que não me vêem
que não sabem onde guardo
meus tesouros e escombros

Dou de beber aos filhotes
da minha loucura
crias gordas e sadias
rainhas, cadelas, vadias
percussoras da minha crucificação
diária
último pária
seguindo sozinho em busca do horizonte
bebo o fel da fonte
do amargo lembrar
do rememorar
auroras de perdidas cores
de vários festins
e difusos amores

Aos séculos e seus sagrados segredos
respondo que ainda persisto
e apesar das derrotas e dos meus medos
não acenderei a candeia que eliminará a escuridão
no meio das sombras danço
mas o coração não acalento:
eu o picotei em pequenos pedaços
e o cozinho em fogo lento.

24 outubro 2007

Força e Fraqueza ou poema 61

61

Deixem-me
passem a fila adiante
e sigam sem olhar para trás
ou sal se tornarão

Olho ao lado
todos de mãos dadas, pares
como não tenho ninguém a quem dar as mãos
ponho-as no bolso; tem lá o seu charme

Deixem-me
deixem-me ser omisso
ao menos uma vez
deixem-me ser fraco

Pois já estou cansado de ser forte
e num supremo momento de fraqueza
em que se precisa ser forte
nunca mais sofrerei de novo

P.S. Este é o poema nº 61 do livro ainda não publicado "99 poems to die"...

22 outubro 2007

Cancioneiro do meu vôo

Ela puxô meu coração pela goela
pegô nas mão e bejô
ele triste, mirrado e sozinho
desenganado de gostá
se esperançô

Ela ergueu ele pro ar
e assim lhe ordenô:
Volta agora, a voar!
criando asas com presteza
para o céu ele avuô

É tão bão voar de novo
depois de ter quedado do alto
se partido e morrido
de tê tanto sofrido
por amô...

Mais vale a esperança de um amô perdido
que a certeza de num sê querido
e por medo de tê o orguio ferido
fazê cara de ofendido
quando lhe perguntam se tá mal...

Bate asa e voa
que cair faz parte da vida...

16 outubro 2007

Fim de semana amoroso ou da efemeridade do eterno


Ela vivia entre cifras e números. Trainee de uma multinacional, MBA quase concluído, ótimas notas, curriculum perfeito; ele, entre palavras e estrofes. Poeta semi-profissional, escritor por opção, ex-executivo, ex-empresário, extenuado pela busca da carreira correta, alguns contos reconhecidos, alguns rabiscos elogiados.
Se conheceram em uma sexta-feira. ela animada com o começo do final de semana; ele, buscando beber de graça no coquetel da empresa dela. Alguns passos para o mesmo lado, a escolha da mesma bebida (sem gelo, por favor!), um olhar correspondido e uma avassaladora paixão nascendo; conversas até a madrugada sobre tudo o que cerca os antenados... Uma despedida na manhã, dois telefones trocados e um beijo para ser lembrado.
Saíram no sábado, conforme o combinado na sexta, ela mostrou a ele o prédio da Bolsa (ainda vou trabalhar ali!), ele profetizou que ainda lançaria alguma coisa no prédio do Masp (nem que fosse o próprio corpo, lá do alto...). Os beijos se tornaram mais ardentes e os olhares mais profundos; a lua na madrugada os encontrou se amando por entre sussurros e desejos, as primeiras promessas brotando.
No domingo acordaram abraçados, beijando-se sem se escovar, rindo-se das mesmas coisas, bebendo do mesmo copo, trocando apelidos e segredos, constatando na pele as marcas físicas de uma noite de amores... Constatação essa que reiniciou todo o fogo, todos os movimentos. No auge do calor, a bomba: prometeram-se mutuamente amor infinito por todos os séculos que ainda restassem, juraram que seus sentimentos estavam em sintonia para todo o sempre...
Na segunda ela saiu para trabalhar cedo, ele ficou deitado de cuecas... Ela ligou de tarde dizendo que estava tudo acabado: iria se transferir para Nova York com um dos filhos do presidente da empresa; ele suspirou aliviado: a mulher e os quatro filhos deveriam estar putos da vida com seu desaparecimento... Esvaziou o barzinho dela e se escafedeu para o subúrbio.

09 outubro 2007

Revertérium

Brinco de controlar
meus desencontros cotidianos
minha rotina é inédita
meu dia a dia é estréia
o viver é uma aventura
avant premiére diária
amanheço amando
almoço desenganos
deito e durmo desiludido

Amanhã é outro dia bem diferente
minha sina é reviravolta
não comando meu destino
coadjuvante no filme da própria vida
sigo de carona com o desconhecido

Amanhã é outro dia
outra vez

08 outubro 2007

O cão chupando manga


O que é estar bem? É olhar um pôr-do-sol de mãos dadas ou com elas nos bolsos caminhar pelo calçadão? É comprar um carro novo ou morrer de amores por aquele seu velho automóvel com muitas estórias? É sentir-se bem quisto, visto ou amado, ou então, suportar como ninguém mais a afasia e o descompasso do mundo ocidental, moderno, frio, descontrolado e desesperançado?

É ter coragem para enfrentar uma execução ou ser o carrasco ?

É ver o pálido setembro ruir ou o surgir de um outubro rubro e sem rumo?

O que é estar bem? O que é estar mal? O que é ser bom, ou ser mau? A verdade que machuca ou a mentira inofensiva?

Um brinde não alcóolico feito ao que há de real e sincero no mundo. A crença cega em algo que não mais se materializa. O choque dos cascos dos cavalos do destino golpeando febrilmente o corpo inerte que se estende na calçada de um bar de esquina, a morte e vida severina, não precisa de sertão. Já há mormaço demais, calores demais.

Tudo depende de qual lado da arma você está... Há a queda, a busca pelos motivos do tombo e a constatação que agora o mercúrio cromo de nada servirá como curativo, nem que algum esparadrapo possa conter o fluxo de vida que lentamente se esvai...

Apesar de tudo isso, as noites sempre se vão e sempre há de amanhecer. Talvez não com a mesma magia, mas amanhecerá com certeza. Mesmo que o dia seja chuvoso e frio.

Pensamentos esparsos de um dos meus personagens mais contraditórios