28 dezembro 2014

O Retorno dos Jedis


Foi dia desses, meio por acaso, acho. Recebi um bilhete escrito aparentemente em klingon (com aquela caligrafia desgraçada, vai saber), dando conta que “Se vocês construírem, eles virão...”. Incrivelmente impressionado com aquilo, tomei mais um gole e joguei o papel fora.
 No meio da terceira cerveja quando chegou outra papeleta: “Se vocês construírem, eles virão” Catzo, mas não falava construir o quê, nem onde, e pior, nem quem viria... Chamei o garçom e pedi que tomasse uma providência, afinal, a última cerveja não estava no ponto. E que viesse logo aquela dose de J.D. para acompanhar. Tem coisas que são inaceitáveis na vida. Uma delas é não estar bem aparamentado. Tinha uma investigação para fazer e sem meu combustível, nada feito.
Nem bem havia provado da nova garrafa, quando aparece outro recadinho. Desta vez, mais esclarecedor: “O Bar do Escritor vai voltar ou quá, cacete!?”
Ah, então era disso que se tratava. Reunir novamente aquela corja maldita de espancadores de palavras. Lembrei que Treuffar-san, o pequeno gafanhoto, estava com esta missão há algum tempo e tinha notícias esperançosas quanto ao seu desfecho.
Pedi uma long-necks para viagem, reabasteci minha garrafinha da sorte nº 02 e parti em busca de pistas. Tinha que saber o que estava acontecendo exatamente. Nem bem virei a esquina e percebi que era fodão mesmo nesse lance de procurar coisas. Se fosse esperto de verdade, fazia um desses cursos de detetive via correspondência e metia as caras a trabalhar nisso. Mas trabalhar não é lá um de meus fortes e tirar onda de artista é mais chique. Não dá grana, mas ajuda a levar umas incautas no bico.
A parada é que achei o novo BdE. Bom, pelo menos, o lugar onde parecia ser. Adentrei as acomodações com cuidado, é sempre salutar verificar exatamente o que está acontecendo por aqui. Lembrei de umas lutas do passado, uns barracos tragicômicos e outras viagens astrais e intergalácticas, acontecidas no espaço.
O lugar recendia a tinta nova, tudo aparentemente no lugar e incrivelmente limpo. Ponto para Pablito, o menino de ouro do Posto 08. Ou seria do 09? Vai saber... Então, dei uma geral no lugar, observando tudo tintim por tintim, parecia estar funcionando perfeitamente. Percebi que havia alguns vultos na penumbra, mas não reconhecia ainda nenhum deles. Uma ação enérgica devia ser tomada exatamente agora. Peguei a garrafinha da sorte, dei uma golada sinistra e sentei na primeira mesa, para acompanhar o que rolava na parada.
Comecei a ouvir uma espécie de cantiga, tipo “In the Hall of Mountain King”, do Krieg. Era praticamente um prenúncio da “Marcha Imperial”. Putz, será que Tio Vader iria dar as caras por ali?
Ao invés de ver o cara de preto eis que aparecem umas figuras vestidas totalmente de branco. A turma era encabeçada por uma mulher completamente vestida em uma espécie de burca branca, do rés do chão do topo da cachola tudo escondido, sobrando somente os olhos para for a; em seguida, um senhor sinistramente bem apessoado, envergando um legítimo Stuart Hughes Suit, o terno dos super-bilionários; ao lado um intelectual que carregava dois imensos livros que pareciam a primeira vista serem dicionários pesadíssimos, no porte e no conteúdo; por fim uma garota com traços orientais, a única do grupo de não possuía um aspecto totalmente aterrador.  
Apesar de estarem digamos, diferentes, reconheci a tropa. Tentei levar na boa:─ Me Morte, Véio China, Wilson R e Mali! Que bacana reencontrar vocês!
─ Alto lá – a voz do Wilson soava estranhamente diferente ─ Estes foram nossos nomes no passado, quando fazíamos coisas absolutamente desprezíveis. Agora somos pessoas evoluídas. Me Vida é hoje uma freira da ordem das balzaquianas, a primeira, inclusive; Mister China é um mega empresário de sucesso; eu, Wilson Roberto de Parará e Parará, como podes ver, sou um dos alcaides da nova língua, um neodefensor da reforma ortográfica.
Ao notar que ele havia dito o nome completo vi que tinha coisa errada─ E a Mali? ─ arrisquei.
─ Maria Ligia é agora advogada da Boifri, o maior conglomerado de carnes do Hemisfério Sul.
─ Mas vocês estão...
─ Exatamente.
Aquilo me gelou imediatamente a espinha. Estavam todos assustadoramente sóbrios.
Eu disse sóbrios, não sombrios.
─ Mas, mas como isso aconteceu?
─ Descobrimos os malefícios dos vícios e os banimos de nossa existência.
─ Isso não é possível, como vamos manter o Bar do Escritor assim?
─ Quem disse que aqui é um bar? Somos um dos centros de reabilitação do A.A.
─ Argh! Alcóolicos Anônimos?
─ Não, Associação Anti-Álcool. Ao vermos que vós, infiéis, não procuram a cura, trazemos ela para vocês.
─ E se eu não quiser?
Foi daí que doce, meiga e sempre super bem intencionada ex-Mali, sacou de um baita trabuco que mal lhe coube nas mãos e apontou para minha fuça:
─ E quem disse que você tem escolha?
Foi a senha para que eu literalmente virasse a mesa (não sei porque, isso me lembrou de Don Perrone; desejei que ele estivesse ali, com seus bastões de porradaria e seu Krav Magá. Seria de muita ajuda naquele momento); joguei o móvel nos três enquanto me dirigia para a saída em corrida desabalada. Nem bala de 38 me pegava.
Não contava é que a porta subitamente se fechasse, obrigando-me a tomar outro caminho. Saltei por um monte de mesas, derrubando coisas aqui e ali, tentando me esquivar dos pipocos que a ex-defensora dos animais mandava para o meu lado. Sorte que no lugar tinham outros cômodos e consegui despistar meus perseguidores.
Consegui um esconderijo que achei perfeito: o estoque. E já não era sem tempo, pois estava ficando na seca. Como tinha deixado as long necks ao lado da mesa, nessa hora não me valiam de nada. Olhei para minha garrafinha da sorte: abaixo da metade. Ainda bem que tinham muitas garrafas por ali. Sem nem olhar para o rótulo direito, passei a mão em uma delas e já ia mandar um golaço acalmador quando um tapão me fez derrubá-la. Já ia meter a mão no atrevido quando reconheci a barba volumosa.
─ Siebiger?
─ Jarbas, cara... Me chama de Jarbas. E essa parada aí é a que eles usam para deixar os outros sóbrios, sacou?
O hálito de conhaque me deu certeza que ele não tinha sido transformado.
─ Cara, que bom te encontrar!
Saquei que ele não estava sozinho na penumbra. E havia um outro cheiro no ar, algo diferente... Aproximei-me um tanto para ver quem era e dei um pulo para trás.
─ Calma, xará! É só o Zulmar. Nosso amigo...
─ Sei lá, o cara é abstêmio. Vai que tá com os outros?
─ Fica frio, parceiro ─ Z boy deu um passo à frente e me mostrou uma latinha ─ Verdade que não bebo, mas em vista dos acontecimentos recentes e de minha notória e antiga rebeldia, decidi ir contra o sistema, mais uma vez!
─ Pô, cara, mas cheirar cola?
─ Era o que tinha à mão, quando eles chegaram para me pegar.
Jarbas retornou, prático como sempre:
─ Temos que dar um jeito de sair daqui, avisar o mundo o que anda acontecendo ou tudo acabará em um mundo de sóbrios.
Para dar uma arrejada nas ideias, saquei a garrafinha de novo.
─ Maravilha! Você ainda tem um pouco de álcool. Podemos usá-lo para sair daqui!
─ Mas como?
─ Abra a garrafa e jogue-a no outro lado do salão. Enquanto eles estiverem distraídos destruindo-a, nós escapamos.
─ Cara, não sei não, essa é minha garrafinha da sorte...
─ Então, a melhor forma de usá-la é para salvar nossa pele.
Meio a contra gosto aceitei, afinal, isso era o certo a se fazer. Não o melhor... Preparei meu melhor lançamento e vaticinei:
─ “Se for vencedor, terei muitas, se for vencido, não precisarei dela”
─ Cara, que legal essa frase ─ a cola fazia um efeito legal no Zulmarmen.
─ Poisé, copiei de Spartacus.
─ Ande logo com isso, jogue a garrafa!
Dei um olhar de despedida para minha companheira de tantos porres  e atirei-a com toda a força: o baque do choque na parede oposta, juntamente com o odor de Jack Daniel´s que tomou conta do recinto fez com que todos os cooptados fosse para aquele lado. Aproveitando a deixa eu e meus companheiros logo corremos para a saída. Aproveitei para saber se sabiam o que realmente havia acontecido.
─ Pra falar a verdade, me disseram umas coisas que não acreditei. Tipo uma paradas de...
A fala foi interrompida no momento de nossa saída: topamos com uma multidão de sóbrios subindo a rua. Para falar a verdade, eles pareciam estar em todos os lugares. O mundo havia sido tomado. Mas o mais impressionante era que abrindo alas para o batalhão que vinha em nosso encontro estavam nada mais nada menos que Giovani e Treuffar, comandando a massa.
─ Era o que eu dizia – continuou Zulmar - Umas paradas tipo zumbi, saca? Parece que numa discussão sobre o destino da alma o Iemini acabou mordido por um televangelista, o Malamala, daí teve uma forte febre e quando despertou dela era isso aí, um pastor.
─ E o Treuffar?
─ Foi sua primeira vítima. Acabou virando seu diácono e juntos fundaram a Igreja Espacial do Reino dos Pigmeus. Daí a corrigir o mundo foi um pulo.
Os sóbrios nos cercaram entoando seus mantras. Jarbas, em guarda, indagou:
─ E agora, o que fazemos?
─ Bom, já que tá tudo na merda mesmo, acho que vou fazer o que faço de melhor.
─ O quê?
─ Tocar um bom e velho foda-se. Z, passa a lata de cola.
Utilizando então de meus mais profundos conhecimentos e lembrando de todos os episódios de MacGyver, juntanto a lata de cola, dois clips, um chiclete velho e um pouco de cuspe, montei uma bomba de hidrogênio.
─ É isso, galera, apertando este botão aqui vai tudo para o beleléu.
Momento tenso, os dois me olharam com decisão. Suspirei fundo e mandei ver. Quando premia o tal, senti um chute potente na base das costelas...

─ Levanta daí, ô maltrapilho.
Olhei para os lados espantado, estava dentro do Bar novamente.
─ Sr. Leonardo Quintela?
─ Tá doido, meu filho? É Spoke, Sapoke ou algo que o valha.
Vi com alegria que estivera sonhado bêbado de novo. Ou melhor, tendo um baita pesadelo. Nas mesas ao lado, toda a bebumzada mandava ver nos copos, tudo se encaminhando para o normal, se é que podemos nos achar normais.
Chamei o Sapoke para sentar e pedir o garçom para trazer logo duas, pois estava com sede, muita sede e precisava comemorar.
─ Comemorar o que cara-pálida?
─ Estar em casa, Sapolino, não há lugar melhor que o lar...