Foi dia desses, meio
por acaso, acho. Recebi um bilhete escrito aparentemente em klingon (com aquela
caligrafia desgraçada, vai saber), dando conta que “Se vocês construírem, eles
virão...”. Incrivelmente impressionado com aquilo, tomei mais um gole e joguei
o papel fora.
No meio da terceira cerveja quando chegou
outra papeleta: “Se vocês construírem, eles virão” Catzo, mas não falava
construir o quê, nem onde, e pior, nem quem viria... Chamei o garçom e pedi que
tomasse uma providência, afinal, a última cerveja não estava no ponto. E que
viesse logo aquela dose de J.D. para acompanhar. Tem coisas que são
inaceitáveis na vida. Uma delas é não estar bem aparamentado. Tinha uma
investigação para fazer e sem meu combustível, nada feito.
Nem bem havia
provado da nova garrafa, quando aparece outro recadinho. Desta vez, mais
esclarecedor: “O Bar do Escritor vai voltar ou quá, cacete!?”
Ah, então era
disso que se tratava. Reunir novamente aquela corja maldita de espancadores de
palavras. Lembrei que Treuffar-san, o pequeno gafanhoto, estava com esta missão
há algum tempo e tinha notícias esperançosas quanto ao seu desfecho.
Pedi uma
long-necks para viagem, reabasteci minha garrafinha da sorte nº 02 e parti em
busca de pistas. Tinha que saber o que estava acontecendo exatamente. Nem bem
virei a esquina e percebi que era fodão mesmo nesse lance de procurar coisas.
Se fosse esperto de verdade, fazia um desses cursos de detetive via
correspondência e metia as caras a trabalhar nisso. Mas trabalhar não é lá um
de meus fortes e tirar onda de artista é mais chique. Não dá grana, mas ajuda a
levar umas incautas no bico.
A parada é que
achei o novo BdE. Bom, pelo menos, o lugar onde parecia ser. Adentrei as
acomodações com cuidado, é sempre salutar verificar exatamente o que está
acontecendo por aqui. Lembrei de umas lutas do passado, uns barracos
tragicômicos e outras viagens astrais e intergalácticas, acontecidas no espaço.
O lugar recendia
a tinta nova, tudo aparentemente no lugar e incrivelmente limpo. Ponto para
Pablito, o menino de ouro do Posto 08. Ou seria do 09? Vai saber... Então, dei
uma geral no lugar, observando tudo tintim por tintim, parecia estar
funcionando perfeitamente. Percebi que havia alguns vultos na penumbra, mas não
reconhecia ainda nenhum deles. Uma ação enérgica devia ser tomada exatamente
agora. Peguei a garrafinha da sorte, dei uma golada sinistra e sentei na
primeira mesa, para acompanhar o que rolava na parada.
Comecei a ouvir
uma espécie de cantiga, tipo “In the Hall of Mountain King”, do Krieg. Era
praticamente um prenúncio da “Marcha Imperial”. Putz, será que Tio Vader iria
dar as caras por ali?
Ao invés de ver
o cara de preto eis que aparecem umas figuras vestidas totalmente de branco. A turma era encabeçada por uma mulher completamente
vestida em uma espécie de burca branca, do rés do chão do topo da cachola tudo
escondido, sobrando somente os olhos para for a; em seguida, um senhor
sinistramente bem apessoado, envergando um legítimo Stuart Hughes Suit, o terno
dos super-bilionários; ao lado um intelectual que carregava dois imensos livros
que pareciam a primeira vista serem dicionários pesadíssimos, no porte e no
conteúdo; por fim uma garota com traços orientais, a única do grupo de não
possuía um aspecto totalmente aterrador.
Apesar de estarem digamos, diferentes, reconheci a
tropa. Tentei levar na boa:─ Me Morte, Véio China, Wilson R e Mali! Que bacana
reencontrar vocês!
─ Alto lá – a voz do Wilson soava estranhamente
diferente ─ Estes foram nossos nomes no passado, quando fazíamos coisas
absolutamente desprezíveis. Agora somos pessoas evoluídas. Me Vida é hoje uma
freira da ordem das balzaquianas, a primeira, inclusive; Mister China é um mega
empresário de sucesso; eu, Wilson Roberto de Parará e Parará, como podes ver,
sou um dos alcaides da nova língua, um neodefensor da reforma ortográfica.
Ao notar que ele havia dito o nome completo vi que
tinha coisa errada─ E a Mali? ─ arrisquei.
─ Maria Ligia é agora advogada da Boifri, o maior
conglomerado de carnes do Hemisfério Sul.
─ Mas vocês estão...
─ Exatamente.
Aquilo me gelou
imediatamente a espinha. Estavam todos assustadoramente sóbrios.
Eu disse sóbrios,
não sombrios.
─ Mas, mas como
isso aconteceu?
─ Descobrimos os
malefícios dos vícios e os banimos de nossa existência.
─ Isso não é
possível, como vamos manter o Bar do Escritor assim?
─ Quem disse que
aqui é um bar? Somos um dos centros de reabilitação do A.A.
─ Argh!
Alcóolicos Anônimos?
─ Não,
Associação Anti-Álcool. Ao vermos que vós, infiéis, não procuram a cura,
trazemos ela para vocês.
─ E se eu não
quiser?
Foi daí que doce,
meiga e sempre super bem intencionada ex-Mali, sacou de um baita trabuco que
mal lhe coube nas mãos e apontou para minha fuça:
─ E quem disse
que você tem escolha?
Foi a senha para
que eu literalmente virasse a mesa (não sei porque, isso me lembrou de Don
Perrone; desejei que ele estivesse ali, com seus bastões de porradaria e seu
Krav Magá. Seria de muita ajuda naquele momento); joguei o móvel nos três
enquanto me dirigia para a saída em corrida desabalada. Nem bala de 38 me
pegava.
Não contava é
que a porta subitamente se fechasse, obrigando-me a tomar outro caminho. Saltei
por um monte de mesas, derrubando coisas aqui e ali, tentando me esquivar dos
pipocos que a ex-defensora dos animais mandava para o meu lado. Sorte que no
lugar tinham outros cômodos e consegui despistar meus perseguidores.
Consegui um
esconderijo que achei perfeito: o estoque. E já não era sem tempo, pois estava
ficando na seca. Como tinha deixado as long necks ao lado da mesa, nessa hora
não me valiam de nada. Olhei para minha garrafinha da sorte: abaixo da metade.
Ainda bem que tinham muitas garrafas por ali. Sem nem olhar para o rótulo
direito, passei a mão em uma delas e já ia mandar um golaço acalmador quando um
tapão me fez derrubá-la. Já ia meter a mão no atrevido quando reconheci a barba
volumosa.
─ Siebiger?
─ Jarbas,
cara... Me chama de Jarbas. E essa parada aí é a que eles usam para deixar os
outros sóbrios, sacou?
O hálito de
conhaque me deu certeza que ele não tinha sido transformado.
─ Cara, que bom
te encontrar!
Saquei que ele
não estava sozinho na penumbra. E havia um outro cheiro no ar, algo
diferente... Aproximei-me um tanto para ver quem era e dei um pulo para trás.
─ Calma, xará! É
só o Zulmar. Nosso amigo...
─ Sei lá, o cara
é abstêmio. Vai que tá com os outros?
─ Fica frio,
parceiro ─ Z boy deu um passo à frente e me mostrou uma latinha ─ Verdade que
não bebo, mas em vista dos acontecimentos recentes e de minha notória e antiga
rebeldia, decidi ir contra o sistema, mais uma vez!
─ Pô, cara, mas
cheirar cola?
─ Era o que
tinha à mão, quando eles chegaram para me pegar.
Jarbas retornou,
prático como sempre:
─ Temos que dar
um jeito de sair daqui, avisar o mundo o que anda acontecendo ou tudo acabará
em um mundo de sóbrios.
Para dar uma
arrejada nas ideias, saquei a garrafinha de novo.
─ Maravilha!
Você ainda tem um pouco de álcool. Podemos usá-lo para sair daqui!
─ Mas como?
─ Abra a garrafa
e jogue-a no outro lado do salão. Enquanto eles estiverem distraídos
destruindo-a, nós escapamos.
─ Cara, não sei
não, essa é minha garrafinha da sorte...
─ Então, a
melhor forma de usá-la é para salvar nossa pele.
Meio a contra
gosto aceitei, afinal, isso era o certo a se fazer. Não o melhor... Preparei
meu melhor lançamento e vaticinei:
─ “Se for
vencedor, terei muitas, se for vencido, não precisarei dela”
─ Cara, que
legal essa frase ─ a cola fazia um efeito legal no Zulmarmen.
─ Poisé, copiei
de Spartacus.
─ Ande logo com
isso, jogue a garrafa!
Dei um olhar de
despedida para minha companheira de tantos porres e atirei-a com toda a força: o baque do
choque na parede oposta, juntamente com o odor de Jack Daniel´s que tomou conta
do recinto fez com que todos os cooptados fosse para aquele lado. Aproveitando
a deixa eu e meus companheiros logo corremos para a saída. Aproveitei para
saber se sabiam o que realmente havia acontecido.
─ Pra falar a
verdade, me disseram umas coisas que não acreditei. Tipo uma paradas de...
A fala foi
interrompida no momento de nossa saída: topamos com uma multidão de sóbrios
subindo a rua. Para falar a verdade, eles pareciam estar em todos os lugares. O
mundo havia sido tomado. Mas o mais impressionante era que abrindo alas para o
batalhão que vinha em nosso encontro estavam nada mais nada menos que Giovani e
Treuffar, comandando a massa.
─ Era o que eu
dizia – continuou Zulmar - Umas paradas tipo zumbi, saca? Parece que numa
discussão sobre o destino da alma o Iemini acabou mordido por um
televangelista, o Malamala, daí teve uma forte febre e quando despertou dela
era isso aí, um pastor.
─ E o Treuffar?
─ Foi sua
primeira vítima. Acabou virando seu diácono e juntos fundaram a Igreja Espacial
do Reino dos Pigmeus. Daí a corrigir o mundo foi um pulo.
Os sóbrios nos
cercaram entoando seus mantras. Jarbas, em guarda, indagou:
─ E agora, o que
fazemos?
─ Bom, já que tá
tudo na merda mesmo, acho que vou fazer o que faço de melhor.
─ O quê?
─ Tocar um bom e
velho foda-se. Z, passa a lata de cola.
Utilizando então
de meus mais profundos conhecimentos e lembrando de todos os episódios de MacGyver,
juntanto a lata de cola, dois clips, um chiclete velho e um pouco de cuspe,
montei uma bomba de hidrogênio.
─ É isso,
galera, apertando este botão aqui vai tudo para o beleléu.
Momento tenso,
os dois me olharam com decisão. Suspirei fundo e mandei ver. Quando premia o
tal, senti um chute potente na base das costelas...
─ Levanta daí, ô
maltrapilho.
Olhei para os
lados espantado, estava dentro do Bar novamente.
─ Sr. Leonardo
Quintela?
─ Tá doido, meu
filho? É Spoke, Sapoke ou algo que o valha.
Vi com alegria
que estivera sonhado bêbado de novo. Ou melhor, tendo um baita pesadelo. Nas
mesas ao lado, toda a bebumzada mandava ver nos copos, tudo se encaminhando
para o normal, se é que podemos nos achar normais.
Chamei o Sapoke
para sentar e pedir o garçom para trazer logo duas, pois estava com sede, muita
sede e precisava comemorar.
─ Comemorar o
que cara-pálida?
─ Estar em casa,
Sapolino, não há lugar melhor que o lar...