12 dezembro 2008

Parênteses

Início dos parenteses perdidos entre os mundos: o real e o imaginário.
"Ressaca é a vingança dos deuses por havermos tentando chegar ao nível deles". Quem disse isso foi um ex-colega do curso de filosofia, um cara que vivia poesia em um tempo que havia desistido das letras e me prendia com gravatas caras e ternos bem cortados. Ele se vangloriava da poesia que tinha e eu me envergonhava dela: "poesia não é coisa de gente séria", um patrão havia me dito uma certa vez. Afoguei então as letras, cortei rente o cabelo, fiz a barba e não ouvi mais rock n´roll pesado nem protagonizei homéricos porres nas madrugadas com pouca lua; buscando ser o executivo do ano, me fixei aos moldes que antes havia detestado. E me moldei aos poucos, aprendi a assistir mais de três filmes alugados por fim de semana, trazendo a seriedade no rosto e me tornando o antipático fumante de três carteiras de Malboro que era bom naquilo que fazia. Antipaticamente bom, excelente, diriam alguns.
Então, do nada,
um dia acordei de pá virada
e executei o executivo:pum!
não foi um tiro
foi a rolha da garrafa de champanhe
que quebrei para batizar meu bar:
teu nome é encrenca!
Deixei de lado os bons modos
deixei de ser bom moço e casar
O lobo estava à solta novamente.
Fechem as janelas, crianças...
Fecha parênteses.

10 dezembro 2008

Hemoglobina

- Porque você não vai dormir? - Devo estar ficando biruta, pensei. Olhei em volta em não havia ninguém, o botequim estava às moscas. Por ali só eu, meu copo, alguns lexotans que um ciclista insone havia deixado cair na mesa e um pedaço de papel escrito por muitas mãos. - Tô falando contigo, ô bebum! Olhei novamente. Das duas uma. Ou estava ficando míope ou estava muito bêbado. Lógico que era a segunda opção; já era madrugada de domingo, sendo que estava bebendo desde a sexta, depois do sarau... Mas isso é outra história. Foi então que fixei meu olhar perto do cutuvelo e vi uma das minhas pulgas de estimação, que às vezes tira uma de consciência. Alguns têm grilos que falam, já eu tenho pulgas fofoqueiras.
- Cê tá ruim, hein? Vou repetir: porque não vai dormir?
- Tô muito chumbado para isso. Fico com medo de acordar igual ao Hendrix.
- Quem?
- Deixa prá lá. Nãs bastava ser um inseto, tinha que ser desinformada...
- Ah, qualé. Cê tá querendo é beber mais.
- Claro, Sherlock. Decobriu isso quando entrei no botequim ou quando levei o copo à boca?
- Você tá muito razinza.
- Tô nada, boba. Se tivesse, já tinha mordido um ou dois poemas do pedaço. Alguns merecem até mais que isso.
- Tá botando muita banca. Aposto que posso fazer tudo melhor que você.
- Acho que pode sim. Quase tudo, na verdade.
- E o que seria isso? Beber, por acaso?
- Olha, não sou de ficar me gabando sobre isso, mas já derrubei muita gente boa de copo. O Barmen de candango city (mas não foi uma disputa justa; ele tava com uns cigarros vencidos, que fediam muito), Ossípedes, o ébrio, lá nos idos da flipct-flact-zoom... A propósito, vejo que tá com um dedal na mão. Tá bebendo o quê?
- Sangue, ué!
- E eu poderia saber de quem?
- E de quem deveria de ser? É claro que é o seu!
- 3...2...1. - A pulga caiu de cara na mesa. Ajeitei a coitada no canto, peguei os lexotans esquecidos e me levantei para ir no banheiro: - Etanol na veia, filha. E-TA-NOL!

03 dezembro 2008

Confissão

- Ok, ok... Deixem-me sentar no canto que já digo tudo. O que vou dizer pode chocar a alguns, dar nojo a outros, quem sabe até garanta a pena ou o desprezo da maioria, mas sinceramente, foi algo que me aconteceu sem que tivesse a menor chance de mudar o rumo das coisas, de fazer com fosse de outra forma ou que tivesse outra conduta. E o que me faz ficar assim, corado perante vocês é saber que não poderei ao menos levantar a voz em minha defesa, pois eu mesmo tenho muita vergonha de tudo...
- Você está dizendo sobre o que lhe aconteceu todo este mês?
- Na verdade, não. Eu tinha vergonha mesmo era do que eu era. Você pode não acreditar, muitas vezes me pego tentando mentir para mim sobre isso, mas a verdade é irrefutável. Eu era o ser mais desprezível da natureza...
- Não! Então vo-você era um... um...
- Sim. Eu já fui um ser humano. Um vil caixeiro viajante de nome Gregor – e disparou a chorar. As outras baratas, em círculo, meneavam a cabeça com pena do que havia passado seu (agora) semelhante...